Seguimos contando a aventura Curitiba-Atacama de carro com a família, viagem que o fotógrafo Daniel Castellano fez em fevereiro de 2020 com a mulher e os dois filhos. Agora, Castellano conta os primeiros perrengues da viagem. E dá várias ótimas dicas para quem quiser se aventurar quando as fronteiras reabrirem. Um relato imperdível de um viajante que não é apenas um grande fotógrafo, como também um excelente contador de histórias. As fotografias são do próprio Daniel Castellano. O trabalhodele pode ser acompanhado pelo Instagram. Leia abaixo.
“O primeiro trecho da viagem foi entre Curitiba e Foz do Iguaçu. O Google indicava seguir o caminho por Francisco Beltrão e entrar na Argentina pela cidade de Barracão no Paraná, entrando pela aduana na cidade de Bernardo de Irigoyen, já no lado argentino. Nós acabamos optando pela viagem passando por Foz do Iguaçu, levando em conta a rede hoteleira disponível.
Carta-verde, o seguro obrigatório para viajar pelo Mercosul
No dia seguinte fizemos os últimos preparativos em Foz. Antes de pegarmos a estrada, me informei em postos de gasolina sobre o seguro Carta Verde, obrigatório para motoristas estrangeiros, mas achei o preço um tanto caro para algo tão provisório. Valores em torno de 200 reais para 10 dias.
Decidimos fazer o seguro do outro lado da fronteira. Isso é possível em Puerto Iguazu. A cidade de Puerto Iguazu tem boa infraestrutura, com casas de câmbio na rua principal e comércio ativo para quem precisa comprar algum suprimento para a viagem. Me informei sobre uma seguradora em Puerto Iguazu, Boston Seguros. Fica na rua 1 de Mayo, 445, estava bem tranquilo. Em 20 minutos saí com o papel impresso válido por 30 dias. Eles não faziam menos que esse período, mas como você roda a maior parte do trajeto na Argentina, acabou valendo a pena.
Em Puerto Iguazu aproveitamos para comprar um chip da operadora de celular Claro, por cerca de 250 pesos, com direito a 2GB de internet, que foram mais do que suficientes para toda viagem. O câmbio é outro fator que está favorável para nós, brasileiros. Oficialmente, digitando no Google você recebe a cotação de que 1 real equivale a 14 pesos argentinos.
Mas na casa de câmbio de Puerto Iguazu eles compraram o real pagando até 17 pesos, o que vale muito a pena. Nós não trocamos muitos reais, mas recomendamos efetuar os pagamentos em pesos. Vale mais a pena do que passar no cartão de crédito. A conversão do cartão é sempre desfavorável.
Puerto Iguazu-Posadas, muito movimento e pista simples
Seguindo viagem, é hora de sair pela Ruta 12 em direção ao próximo destino, a cidade de Posadas na margem do Rio Paraná. Neste trecho de aproximadamente 300 kms, a estrada não é duplicada e o movimento é grande, com caminhões e moradores dos vilarejos de beira de estrada.
Neste trecho existem várias paradas para lanche ou almoço e postos de combustíveis (Estación de Servicios em espanhol). Até Posadas, você não passa aperto, ao contrário do trecho entre Posadas e Corrientes. Como já era tarde, resolvemos dormir em Posadas, que é uma cidade média, com lojas, adegas, shopping center e um pouco mais de estrutura na sua principal avenida. Achamos uma boa pousada na beira da estrada, já com objetivo de seguir viagem no dia seguinte.
No outro dia, terceiro da viagem, arrumamos as bagagens e seguimos com destino a Corrientes. Saindo de Posadas, existe o Templo Budista Laos, com a maior estátua de Buda da América do Sul. Nós paramos ali na volta, mas quem quiser pode parar na ida. Os monges refugiados do Laos são bem receptivos.
Poucos postos de gasolina, pouca comida
Voltando para a estrada, ao se distanciar de Posadas, a paisagem começa a mudar. É uma região bem agrícola e com grandes propriedades de terra na margem da estrada. Mas não existem muitas cidades neste trecho de aproximadamente 300 kms. Os postos de combustíveis também somem. São dois apenas neste trecho, na cidade de Ituzaingó e em Ita-Ibaté.
Como nós estávamos com o tanque cheio, não paramos, achando que teria algo para almoçar na beira da estrada, como acontece no Brasil. Só achamos um restaurante chamado Oásis, mas a higiene do lugar não é das melhores. Não recomendo, é melhor deixar para almoçar ou fazer lanche nos dois postos de gasolina das cidades mencionadas acima.
O Rio Paraná em Corrientes
O céu estava completamente limpo e, como era verão, quando chegamos a Corrientes, um pouco após o horário do almoço, na cidade que fica às margens do Rio Paraná, o calor era absurdo. Marcando 36 graus no termômetro do celular, o sol já começava a invadir o painel e entrar com força dentro do carro. Resolvemos parar em uma sombra formada pelas árvores que ficam na avenida Costanera, que vai margeando o Rio Paraná.
Olhando para aquele majestoso rio, reparei em sua margem algumas praias de areias artificiais nos chamando para fazer uma parada estratégica para espantar o calor. Foi o que fizemos. Trocamos de roupa ali mesmo no carro e logo estávamos dentro das águas geladas e refrescantes do Paraná. Todo mundo curtiu, foi uma decisão acertadíssima.
Por volta das 17h já era possível seguir viagem. O calor já tinha dado uma trégua. Calculamos a próxima parada para Monte Quemado, pois havíamos lido que a cidade oferecia estrutura para dormir. Corrientes é uma das maiores cidades desta viagem, com vários postos de gasolina, casas de câmbio, comércio ativo, só vale lembrar que eles adotam o horário de funcionamento até as 11h da manhã e retornam após as 16h.
Farol apagado. Tive que desembolsar 500 pesos
Na saída de Corrientes, um pouco antes da ponte que cruza o Paraná, um grupo de policiais argentinos fez sinal com a mão para que parássemos o carro. Tinha comprado extintor novo, estava com os dois triângulos que são exigidos, Carta Verde em mãos, teoricamente tudo estava em ordem. Mas eles queriam nos orientar sobre o farol que deveria estar ligado, item que é obrigatório quando se roda pela Argentina. Enfim, o guarda argentino avisou sobre a multa mas no fim só queria dinheiro, tive que desembolsar 500 pesos para seguir viagem…
De volta para a estrada, cruzamos a bela ponte Corrientes-Chaco, que se levanta alto cruzando o rio Paraná. Dali se pode avistar a divisão das águas, mais esverdeadas do Paraná e as barrentas do rio Paraguai. Assim elas seguem por muitos quilômetros, sem se misturar. Fiz algumas fotos aéreas para mostrar a beleza dessa divisão.
Aqui começa o trecho mais desgastante
O próximo trecho é um dos mais desgastantes de toda viagem. Vai de Corrientes a Salta. São mais de 800kms em pista simples, atravessando o Pampa argentino e passando por pequenas cidades sem muita estrutura e com poucos lugares para pouso e abastecimento. A estrada é de asfalto em sua maioria. É um trecho de reta sem fim, que chega a ser monótono. Mas é preciso cruzar para chegar na parte interessante que vem mais à frente, na região de Salta.
Seguimos pela Rota 16 com previsão de destino em Monte Quemado, no meio do caminho, noite adentro. Dei uma olhada no GPS e achei que era uma reta só até o destino. Acabei apagando a tela e dirigindo sem preocupação. Um erro. As crianças estava assistindo seus desenhos e a esposa, suas séries no celular. E eu, de olho na estrada.
Mantenha o GPS ligado
Em determinado momento, fui dar uma olhada no GPS e percebi que estávamos fora da rota principal. Essa Rota 16 tem apenas um lugar em que é preciso entrar à direita, na localidade de Avia Terai, mas eu me distraí e acabei passando reto. Quando percebemos, estávamos em Las Breñas, 50 kms fora da rota principal em direção ao sul. O relógio já marcava 21h. Resolvemos parar um pouco na cidade. Tinha uma praça, bem cuidada por sinal, com brinquedos novos, e fomos esticar um pouco as pernas. As crianças foram brincar um pouco.
Voltando em direção ` rota principal novamente, rodamos mais 50 kms até chegar na 16. No trevo de Avia Terai, virei na direção Oeste. Mas este desvio de 100kms acabou nos custando quase 2 horas de viagem. E o relógio já marcava 23h e não havíamos reservado nenhum lugar para dormir. Nesse momento, o cansaço começa a bater e o stress aumenta. Mas é preciso colocar a cabeça no lugar e pensar como resolver aquele problema.
Foi o que fizemos. Tentamos acessar o booking.com, mas não havia nada na região pelo aplicativo. O jeito foi fazer à moda antiga, parando e perguntando. Já eram 23h30, e neste trecho da estrada não existe quase nada, nem paradas, nem postos de gasolina e muito menos hotéis, apenas propriedades rurais.
Uma pousada em Concepción del Bernejo
Afinal, estávamos no meio do Pampa argentino, quando avistamos luzes. Era um pequeno vilarejo, Concepcion Del Bernejo, com ruas empoeiradas e muito calor, mesmo à noite. Devido ao calor, muitos moradores da região trocam o dia pela noite. As cidades do Pampa param suas atividades às 11h e retornam apenas no final da tarde. Assim, mesmo tarde da noite, você encontra pessoas nas ruas. Nos indicaram uma pousada no final da rua e para lá nos dirigimos. Não tinha placa, mas alugavam alguns quartos simples. Era apenas o que precisávamos, ficamos por ali mesmo.
No quarto bem simples, o chuveiro mal funcionava, saindo apenas algumas gotas geladas. O ar condicionado parecia um avião decolando e os pernilongos fizeram um banquete. Foi uma noite de perrengues, mas que logo passou. (Na volta da viagem, ficamos no Hotel Biooceânico, em Pampa Del Infierno. É uma boa opção de pouso neste trecho, com instalações simples e preço justo).
No outro dia, quarto da viagem, saímos de Concepcion Del Bernejo, e já com o sol nos acompanhando, pegamos a estrada. Quando percebi que a gasolina daria apenas para mais 200 kms, diminuí a velocidade, para não gastar muito combustível. Chegamos com a luz da reserva acesa até o posto de gasolina de Monte Quemado, outro sufoco.
Cadê o asfalto?
Este trecho que vai de El Cabure até Monte Quemado estava bem ruim. Os buracos começaram a aparecer, é preciso atenção redobrada para não correr o risco de ter uma das rodas amassadas e um pneu furado. O posto de gasolina de Monte Quemado só aceita dinheiro para o abastecimento, pesos ou dólares. Já com o tanque cheio, seguimos viagem.
E aqui o motorista enfrenta o pior trecho, até Taco Pozo. São aproximadamente 50 kms em que o asfalto simplesmente desaparece em meio aos buracos da estrada. São tão numerosos, que o acostamento acabou virando opção. Mas não tem pavimentação, rode com cuidado e devagar. Aqui, invariavelmente a viagem acaba sendo mais devagar. Em compensação, tem um posto de gasolina de boa qualidade quando se chega em Taco Pozo, que aceita cartão e é possível fazer um lanche.
Chegando a Salta
Rodando mais à frente, em direção a Salta, a estrada começa a melhorar e o comércio de beira de estrada surge novamente. Uma opção de parada é a cidade de Joaquin Victor Gonzales, com postos de gasolina que aceitam cartão e um bom restaurante junto a um posto. O restaurante Don Juan tem preços acessíveis e boa comida.
Seguindo o caminho, aquela estrada monótona fica para trás e a rota volta a ter curvas, descidas e subidas, ficando mais interessante. A silhueta da imponente Cordilheira dos Andes já começa a aparecer no horizonte e indica que estamos no caminho certo. Eu tinha a expectativa de que já avistaria os montes congelados da Cordilheira naquela região. Porém, Salta fica em um vale cercado de muito verde, uma das cidades mais bonitas da região. Vale a pena ficar uma noite e conhecer melhor. Alguns viajantes, em vez de Salta, vão até San Salvador de Jujuy, mas achei que Salta vale mais a pena. É mais aconchegante, tem um centro histórico muito bacana. As duas têm estrutura semelhante.
Maravilha parabéns Daniel bom trabalho, muito útil .
Obrigado