Na semana que passou aconteceu a tradicional Fiesta de la Chicha, uma das atividades emblemáticas do 483º aniversário da cidade de Arequipa, no litoral do Peru. A Plaza de Armas foi o cenário desta festa da chicha de güiñapo, uma bebida ancestral que é o símbolo do sabor arequipenho e a essência das “picanterías” da Cidade Branca. A matéria, assinada pelo jornalista Luis Zuta Dávila, foi publicada pela Andina, a agência oficial de notícias do Peru.
O Chicha Festival é realizado toda primeira sexta-feira de agosto, desde 2013, e é organizado pela Sociedad Picantera de Arequipa, que promoveu sua realização com o objetivo de potencializar a picantería, um espaço gastronômico que é parte autêntica e essencial da cultura de Arequipa, símbolo de sua identidade regional, e que foi reconhecida em 2014 como Patrimônio Cultural da Nação.
O Festival Chicha, apoiado pelo Município Provincial de Arequipa, e patrocinado por instituições e empresas públicas e privadas, conta com a participação de muitas picanterías tradicionais e artistas de destaque.
Esta celebração é uma festa cívica em que se torra chicha de güiñapo e se degustam “pratos picanteros” (que só se servem nas picanterías), num ambiente cordial e alegre onde se destacam os intérpretes de música tradicional e a poesia loncca, originária de Arequipa.
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Chicha de Güiñapo, emblema de Arequipa
Chicha de güiñapo é a bebida emblemática de Arequipa. Sua cor vermelha púrpura, que inspirou e caracteriza a bandeira da cidade, assim como seu delicioso sabor, representam a ancestral e marcante história e tradição de Arequipa. E com este elixir começa a história das picanterías na Cidade Branca.
A chicha de güiñapo é obtida a partir da fermentação de grãos germinados de milho preto ou roxo e é conhecida como güiñapo, palavra quéchua que significa “fazer amadurecer” ou “fazer envelhecer”. Este tipo de milho foi domesticado e cultivado por Yanahuaras, Kuntis, Yarabayas, entre outras populações pré-incas que ocuparam Arequipa, e atualmente é cultivado nos férteis vales de Characato e Socabaya.
O milho preto tem propriedades antioxidantes, por isso melhora a circulação sanguínea e reduz o colesterol ruim. Também ajuda a estabilizar e proteger as artérias capilares. Por todos esses motivos é muito bom para pessoas com obesidade, artrite e até diabéticos.
Reza a tradição que, na cerimónia de fundação espanhola de Arequipa, a 15 de agosto de 1540, o vinho trazido pelos conquistadores era muito escasso e só era utilizado para a missa protocolar. Diante dessa situação, os índios gentilmente ofereceram a chicha de güiñapo e o restante da cerimônia, seguida de festa, foi celebrada com esta oportuna e deliciosa bebida.
A partir desse evento, a chicha de güiñapo tornou-se a preferida dos novos ocupantes de Arequipa e tornou-se tão popular que o vice-rei Toledo proibiu sua produção em 1575 e estabeleceu sanções para quem a produzisse e bebesse. Essa medida fazia parte do processo de extirpação da idolatria, já que a chicha foi considerada uma bebida sagrada pelos incas e comunidades pré-hispânicas.
Depois de mais de dois séculos de bebida em segredo forçado, a chicha de güiñapo voltou a ter destaque no final do século XVIII, na luta pela emancipação em encontros de várias classes sociais, movimentos literários e políticos, em que esta icónica bebida era acompanhada por deliciosos guisados.
O viajante inglês Paul Marcoy relata em suas crônicas que em 1869 contava 928 tabernas, rancherías ou “Chicherías” em Arequipa, onde a bebida principal era a chicha de güiñapo. Esses espaços tinham faixas brancas e vermelhas que pendiam de uma faixa como característica própria.
Esta foi a distinção para marcar os locais onde se podiam consumir comidas e bebidas, criando um espaço cultural que envolve a transmissão de saberes.
Ponto de partida das picanterías
A reivindicação da chicha de güiñapo deu origem ao seu consumo saindo da área das Chicherías e constituindo o ponto de partida das Picanterías, santuários de sabor e conhecimento que guardam a mais genuína tradição da gastronomia arequipana e onde a chicha de güiñapo Güiñapo torna-se um ingrediente essencial para preparar uma grande variedade de pratos e a bebida perfeita para acompanhar estas iguarias criadas por sábios cozinheiros e seus fogões.
Chicha de güiñapo é usada de várias maneiras na culinária de Arequipa. Pode ser usada fresca, como vinagre para adicionar tons cítricos às amoras, ou em ensopados para dar solvência a uma marinada saudável e revigorante.
O sabor deste elixir arequipenho pode variar entre ligeiramente ácido, com sabor a milho, ou doce, quando é servido para beber em picanterías ou em casa. Sempre com um certo toque de fermentação que varia de acordo com a chichera que o prepara.
Como se prepara a Chicha de Guiñapo?
Como a chicha de jora, a chicha de güiñapo é obtida a partir da fermentação do milho, embora neste caso seja milho preto ou roxo, cujos grãos são separados da espiga e deixados para secar por 10 a 12 dias. Eles são então embebidos para germinar após mais sete dias. Depois de germinados, os grãos de milho são triturados ou moídos em moinho de pedra até obterem uma espécie de farinha.
A farinha é misturada com água e a mistura é fervida em uma panela por três a quatro horas. O cozimento tradicional é feito com combustão de lenha, como a chicha de jora. Quando a panela lançar uma espécie de creme como se fosse leite, é sinal de que está pronto para retirar do fogo.
Em seguida, os resíduos da mistura são coados com um coador de pano e o líquido coado é deixado em repouso por 24 ou 48 horas em potes de barro chamados “Chombas” para que a fermentação seja efetivada. O resultado final é a deliciosa chicha de güiñapo, uma bebida que delicia o paladar e é o complemento perfeito para a igualmente irresistível cozinha arequipana.
A chicha de güiñapo é tradicionalmente servida em três tipos de copo: o caporal, que tem capacidade para um litro e meio; o coração que abriga um litro; e o pequeno médico, que recebe meio litro do requintado güiñapo chicha.