Cabo Polônio, o destino quase deixado para trás

Viagem a Cabo Polônio

Por: William Saab

Quando decidi ir ao Uruguai, em fevereiro, o mundo ainda era aquele mesmo que deixamos para trás no começo de 2020. Organizei as ideias e as malas em poucos dias e parti com destino a Montevideo e, até então, Punta del Leste. Ao compartilhar com um amigo esse itinerário, pouco antes do embarque, ele me fez uma proposta: “Visite Cabo Polônio. Um vilarejo surpreendente”, me indicou sem antes, com tom irrefutável de desdém, comparar: “Punta é como se fosse Camboriú”. Diante de tamanha sabedoria e com a liberdade que só aqueles que viajam sozinhos possuem, procurei informações a respeito desse local até então desconhecido. De fato, foi um acerto.

As informações que colhi para confirmar minha ida fizeram com que meu cérebro puxasse como referência a Ilha do Mel. Observe: praias interligadas por trilhas, pousadas e hostels como opções de descanso, público majoritariamente jovem, eletricidade escassa, acesso inexistente por carros particulares e um farol como principal atração.

Até que estivesse com meus pés fincados na areia, meu cérebro teimou em manter essa comparação, como se precisasse de um check-list em cada atração para provar a mim mesmo que eu estava certo. Conforme conheci o destino uruguaio, as diferenças foram se dissipando e pude guardar cada uma dessas paisagens em um local diferente de minha memória.

Hostel

Aventura para chegar

Chegar em Cabo Polônio é uma aventura por si só. O terminal de acesso ao vilarejo é o ponto final para quem chega de ônibus ou carros próprios. Todos que seguem adiante precisam subir em um caminhão de dois andares adaptado para realizar o traslado até a região das pousadas. A estrada é de areia, então o conforto termina antes mesmo da chegada.

Os mais sortudos e corajosos vão em cima – não foi o meu caso – e podem contemplar, na meia hora de viagem, as diferentes vegetações que compõem aquele relevo. São tantas as variações que quando a flora enfim dá espaço para a primeira praia, nossa mente volta a entender o motivo da viagem. Uma longa faixa de areia, cercada unicamente pelo oceano e pela baixa vegetação da costa, fazem o tapete de boas-vindas.

O desembarque fica em um ponto localizado na região central do povoado. A partir dali, cada um segue para seu hostel. Por ser uma região pequena, as acomodações são próximas umas das outras e todas na areia de frente para o mar, o que torna o ambiente muito acolhedor mesmo para quem viaja sozinho.

Para quem está só

Aliás, Cabo Polônio é um destino para quem está só. Das pessoas com que tive contato nos dois dias em que estive por lá, apenas um casal de brasileiros foi a exceção dentre os viajantes desacompanhados. Todos tinham uma singularidade em suas falas sobre as motivações da viagem que era acessível a quem os ouvia. Dentre tantos personagens, estive com uma atriz francesa, um cineasta argentino e dois músicos, um americano e outro também argentino, que dividiram comigo uma parte de suas histórias. 

O tempo em Cabo Polônio nos permite questioná-lo. Quando decidi contemplar a praia na frente do meu hostel – Playa Norte -, tive aquela sensação prazeirosa e incômoda do que fazer com todas as horas que me foram dadas. Mal-acostumado, não tenho o costume de gerenciar minhas experiências sem um horário que me obrigue a finalizá-las.

Ali, ainda começo da tarde, havia tanto dia para gastar que o relógio, que sempre pareceu correr mais do que deveria, agora, cansado, resolveu andar devagar demais. Sozinho, o tempo foi meu único companheiro, mas ele não faz acordos comigo e, mesmo em um local privilegiado pela geografia – ou por conta disso -, ele desafiou minha capacidade de entendê-lo.

Em busca do pôr-do-sol

Cabo Polônio tem duas praias como principais locais de diversão. Por serem muito próximas, o trânsito entre elas é frequente. O que as separa são justamente as casas e pousadas, um ou outro mercadinho e poucos restaurantes – todos muito simples e rústicos.

A praia mais distante de onde estava – Playa Sur – aumentava de público conforme a tarde caía. E não sem razão: o pôr-do-sol de lá é das experiências mais encantadoras que já presenciei.

Aquela praia é destinada para isso e todos fazem daqueles minutos o auge de suas visitas. Surfistas que não temem a água gelada do sul do continente se aglomeram no mar, grupos de amigos e famílias se confortam próximos com mantas compartilhadas (faz frio após o entardecer) e os solitários, como eu, guardam os livros e os fones de ouvido para exclusiva atenção ao desenho de cores que o céu começa a colorir.

O sol, antes soberano, se esconde na linha do céu limpo e do mar sereno, explodindo tonalidades de amarelos e laranjas só vistos de onde o homem pouco interveio. Cada vez menor e mais distante do público, ele parece agradecer aos que se aglomeraram para prestigiá-lo, com a promessa de que amanhã tudo volta a ser igual. 

Paraíso dos lobos e leões-marinhos

O dia seguinte tinha como destino visitar uma das atrações mais exclusivas: a lobería, espaço para contemplar lobos e leões-marinhos. Separados há 20 metros dos turistas, garantindo segurança e respeito aos animais, é possível contemplá-los ora estirados ao sol, ora atirando-se ao mar.

Acostumados com o público fiel que se conforta nas rochas, eles não parecem ligar para o encantamento de quem nunca havia estado perto dessas espécies antes. Sempre numerosos, fixamos nossa atenção em tentar entender o que eles conversam entre si, em diferenciar um animal do outro e apreciar todos os movimentos desengonçados do balé que dançam quando interagem.

Acesso à loberia

Farol histórico

A lobería fica próxima ao farol, a principal atração da reserva natural. São mais de 130 anos de história e mais de 130 degraus que fazem dele um Monumento histórico do Uruguai. O acesso ao topo é desconfortável. Toda segurança da apertada escada é uma corda improvisada e a própria parede da estrutura do farol.

O fluxo de quem sobe e quem desce é organizado na hora. Desistir não é uma opção, com chances de “morrer na contramão atrapalhando o trânsito”. A tortuosa subida tem sua compensação e o forte vento te recebe lembrando a altura em que se está. Da mesma forma, o visual lá de cima entrega todas as atrações de Cabo Polônio de um ângulo novo. Vê-se toda a extensão do vilarejo conforme você circula a edificação.

Como todo farol, ali repousam grandes mistérios e segredos de embarcações do passado. Vê-lo de baixo é impressionar-se com sua magnitude; de cima, imaginar as histórias ali guardadas. Ainda ativo, suas luzes iluminam toda a praia no momento em que o feixe atravessa nosso olhar. Quando não clareado pela luz artificial, as estrelas, incontáveis e reluzentes, garantem o esplendor da tão negra noite.

Pôr-do-sol a partir das pedras

Jorge Drexler

O músico uruguaio Jorge Drexler, em visita, encantado com a imponência do farol, fez dele música. Eternizou versos sobre a relação do homem com aquele monumento que “guia desde que não pare de girar”.

Diz a letra: “não é a luz que realmente importa. São os 12 segundos de escuridão”. Calouro nesse local, não sou capaz de discordar. O charme dessa extensão litorânea está mesmo nos espaços vazios que ela nos permite enxergar. 

Leia sobre a viagem de Charles Darwin pelo Uruguai, que incluiu Cabo Polônio: https://nuestraamerica.com.br/a-rota-de-charles-darwin-pelo-uruguai/

Veja mais sobre o Uruguai: https://turismo.gub.uy/index.php/en/

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