A América Latina tem uma cozinha vibrante, saborosa e cheia de significados. Izabel Campana, amiga do blog por parte de pai, o saudoso jornalista Fabio Campana, vive em Quito, capital do Equador. Dias atrás, ela compartilhou no Facebook uma receita de fanesca equatoriana, prato típico do país andino. Embora lá essa receita seja mais usada no período da Quaresma, vale a pena tentar. Talvez nem todos os ingredientes estejam à disposição por aqui, mas vale tentar.
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Veja o relato de Izabel
“É um prato tradicional da Quaresma e da Semana Santa no Equador. É uma receita linda, um prato feito para compartilhar. Como a feijoada, não é uma comida que se faz para pouca gente, então é normalmente compartilhada com a família estendida e os vizinhos. Tem muito trabalho e ritual envolvido, costuma ser feito comunitariamente.
A receita leva 12 ingredientes: milho, amendoim, ervilha, lentilha, feijão, arroz, fava, tremoço, sambo (abóbora-gila), zapallo (abóbora-menina), melloco (tubérculo andino), repolho. Cada ingrediente é cozido separadamente e unido ao final. Ainda faz parte do preparo o bacalhau, que é dessalgado e cozido no leite, e uma série de acompanhamentos, como ovo cozido, banana (maduro) frita, queijo fresco, ají criollo, empanadas de trigo fritas.
Pesquisadores acreditam que a receita tem raízes na era pré-hispânica. Nessa época, as comunidades andinas celebravam as primeiras colheitas de grãos do solstício de verão com uma sopa chamada “ushucuta”, que seria uma das primeiras sopas indígenas, predecessora dos locros e da fanesca.
A variedade de grãos derivaria do intercâmbio entre as diferentes comunidades. Com a chegada dos espanhóis, esses símbolos indígenas foram apropriados e combinados com as crenças católicas. Assim a fanesca virou símbolo da Semana Santa e cada um dos 12 ingredientes passou a representar um dos apóstolos. É uma grande expressão do sincretismo gastronômico.
Como muitas receitas passadas de mãe para filha, há muitas variações, cada família carrega sua tradição. Eu queria muito aprender a prepara esse prato antes que termine meu tempo por aqui, por isso pedi à Dona Rocío que me ensinasse hoje. Ela cresceu preparando a fanesca junto com sua mãe e irmã. Preparavam paneladas gigantes para servir à toda família e à vizinhança. Esta é a receita dela.
A receita de fanesca equatoriana de Dona Rocío
Ela prepara antecipadamente os ingredientes que precisam ser cozidos em separado. Faz um purê com cada abóbora e reserva. Prepara um sofrito com cebolinha, alho, achiote (óleo de urucum), manteiga, banha, cominho e orégano. Adiciona o amendoim que foi torrado e batido com leite para criar uma pasta. Junta os purês das abóboras e em seguida os grãos. As favas, ervilhas e lentilhas se junta com a água de cozimento. Depois junta o peixe com o leite em que foi cozido. O único líquido que vai na fanesca, além da água dos legumes, é o leite. Cozinha tudo mexendo sempre conforme engrossa para que não pegue no fundo da panela. A consistência final é como a de uma sopa grossa.
A fanesca completa é servida como na foto, com ovos cozidos, as bananas fritas, empanadas fritas (irmãs do nosso pastel de queijo), pimenta vermelha, purê de batata, figos em calda de açúcar mascavo, queso fresco (primo do nosso minas frescal), avocado, salsa crespa e colada de manzana (um tipo de suco de maçã cozida).
O sabor da fanesca é suave, porém super complexo, resultado da união de todos os grãos e abóboras. É um prato incomparável, só provando. Façam aí ou, melhor, venham ao Equador no período da quaresma para provar. Tem muita coisa linda para ver.”